Na noite de 18 de março, nossos confrades e confreiras reuniram-se para discutir sobre "A fabulosa morte do professor de português" em que nossa confreira Dalva Corsetti Biasuz deu uma belíssima explanação acerca da obra, segue seu comentário ilustrado pelas fotos tiradas pelo Confrade Rogério.
A FABULOSA MORTE DO PROFESSOR DE PORTUGUÊS
Lourenço Cazarré ,
ilustrações Roberto Negreiros
Narrado em 1ª pessoa
por um dos integrantes da história, retrata o clima de intrigas,
suspense, rancores e ciúmes, respeitabilidade e irreverência que
transcorre durante a tarde de inauguração de uma livraria. Para
animar o evento, o livreiro institui uma caça ao tesouro, que vem a
ser um exemplar raro escondido entre as prateleiras.
Na manhã seguinte,
quando será desvendado o feliz ganhador da raridade literária, para
surpresa geral, um cadáver é encontrado no último andar do
estabelecimento. Diante do infausto ocorrido, policia, investigação,
suspeitas, álibis, completam o enredo de suspense e final
inesperado.
Dita inauguração foi
objeto de cobertura jornalística imposta pela diretora da escola
próxima, como tarefa escolar para uma eclética dupla de alunos,
composta por uma adolescente mal humorada e um guri engraçadinho e
convencido, ambos ao redor de 13/14 anos.
Os personagens do
romance representam vários tipos da intelectualidade local, como
professores, alunos, críticos, jornalistas, escritores, todos eles
com um sentimento em comum: desafetos da vítima, um honorável
professor de português.
Vítima esta que se
compraz em ironizar, espezinhar, "azucrinar", para usar uma
expressão que certamente o autor empregaria, a todos do seu círculo
de atividade. Dotado de um egocentrismo radical, seu juízo não
poupava de alunos a escritores, passando pelos livreiros, críticos e
a imprensa.
Os próprios
narradores são surpreendidos com rompantes do professor e de seus
detratores, em defesa de princípios ou fazendo julgamentos açodados.
Cada qual trazendo à tona os motivos de seus antagonismos desde os
bancos escolares, quando alunos do indigitado professor ou ao
amargarem críticas no exercício da profissão ( escritores,
jornalistas e demais professores ).
Segundo se gabava o
tal professor,..."sofro
muito quando tenho que dar nota acima de seis a um aluno meu. Gosto
mesmo é de ficar ali, entre cinco e três, mas descendo de vez em
quando até um zerinho."
Aceitava como
literatura só a dos clássicos; apregoava que a melhor leitura é a
maçante e complicada, não a agradável e fácil. Valorizava a
produção literária vinda de fora em detrimento da local, o que
levava o Secretario de Cultura, Bernardo Bestunto a declarar que
"afinal,
porcaria se escreve em todo lugar!
"
O autor usa linguagem
coloquial, não desprezando gírias e analogias, quando estas
expressam melhor suas ideias. Faz narrativa e diálogos com uma
dinâmica própria para uma história de ação, com o pano abrindo e
fechando rápido.
Nomina e caracteriza
os personagens de modo atrevido e hilário, como profº Severino
Severo, o guri convencido "Tédio", Delegado Túlio
Trucido, poeta Arno Aldo Arnaldo, escritora Estrela dos Mares Rainha,
lutador Beto Jamanta, jornalista Marco Bravo, beldade Rita
Fashion....
Os poucos personagens
com nomes "normais", a professora Ana Cristina, a aluna
Mariana, parecem ser também das poucas pessoas sensatas da história.
Interessante a forma
como a gramática é chamada a entrar em cena, ora como peça do
libelo, ( a gente/agente, manga verbo/fruta, massa/maça ) ora para
deslindar o mistério por intermédio de uma simples forma gramatical
(...ainda não se sabe se ele suicidou ou morreu...).
O autor ilustra as
idiossincrasias do professor que não aceita a criatividade de uma
redação porque traz cacofonia (fl. 44) ou faz paródia de Guimarães
Rosa, (fl.26) um de seus ídolos.
Os alunos
entrevistadores se comportam com um misto de ingenuidade e
perspicácia frente ao inusitado acontecimento "morte",
levando o guri a advertir a colega durante o interrogatório
policial: - "Preste
atenção no que eles dizem. Ontem todos queriam matar o profº,
lembra?"
Cazarré leva os
protagonistas a ironizarem professores, poetas e escritores como
gente que não gosta de trabalho pesado; a imprensa, pois repórteres
só querem respostas óbvias, mais preocupados com a própria imagem
do que com a notícia em si; a chatice das reuniões de filósofos e
intelectuais onde cada um fica se jactando das suas obras e seu nível
de conhecimento.
Faz uma classificação
sui
generis
das escolas poéticas, em que a romântica só declama o amor; a
revolucionária só trata de guerras e fuzilamentos e a vanguardista
de fazer poemas que ninguém compreende.
O andamento narrativo
sugere repetidas vezes um dilema entre crítica literária e bons
escritores, como se um excluísse o outro;(os que entendem que
crítico "severo" inibe o surgimento de escritores ou a
falta deles propicia escritores ruins).
Em toda a história o
autor deixa subjacente a importância do prazer na leitura, cabendo
ao leitor a escolha do que e quando ler, independente da faixa
etária, tanto na escola como na vida. Ler por puro prazer, afinal,
livros
bons não trazem mensagens, bons livros não são carteiros.
Sem ser livro escolar,
as falas fazem colocações ortográficas e gramaticais claras,
pertinentes ao público alvo, gratuitamente ou com um gancho no tema
central.
Além do enredo
envolvente, o livro atrai pela apresentação gráfica, a cor e tipo
da letra que deixam a leitura mais agradável, o que por sinal,
desagradaria muito ao professor! E o índice por si só, vem a ser um
irreverente resumo de cada capítulo.
As autobiografias de
ambos no final, escritor e ilustrador, referindo qualidades e
defeitos segundo cada um, fecha o quadro das leituras que o próprio
Cazarré diz querer "movimentadas,
às vezes divertidas, às vezes tristes, que segurem a atenção
volátil do jovem leitor"
.
A derradeira
ilustração dá ideia do final da história e da coesão do grupo
atuante.